Realce, realce, quanto mais parafina melhor, já dizia Gil naquele som dos anos 80, ou final de 70, não lembro direito. Ah, que saudade. Tempo de ir pra praia de ônibus. Prá Barra da Lagoa, que ainda não tinha os molhes e podíamos pegar as merrecas do costão. Minha nossa, como eu era merrequeiro.
Deixávamos a prancha na casa de alguém e íamos de busão. Lotadaço. Nós, as cocotas e o resto da manezada. E ficávamos o di-a-to-do na praia, debaixo do sol. Voltávamos no final da tarde, roxos do sol e de fome. Filas intermináveis pro busão e aquele rala e rola com as cocotas. Ah, coisa boa. Coisa boa agora, mas naquele tempo era casca. Imagina, tu subindo o morro da Lagoa de latão, sendo ultrapassado por carros cheios de pranchas em cima. Mas também, não estávamos nem aí. Não éramos pobres depressivos, nem tínhamos pena de nós mesmos.
Íamos ao boteco lá da Barra prá almoçar e comíamos um “x-galinha-de-miserável” que consistia em pão doce (massinha pra alguns) com uma coxinha dentro. Um refrigerante em cima – uma laranjinha Max Wilhelm, podia ser – e o x-galinha-de-miserável se transformava numa bomba gasosa que nos sustentava o resto do dia. O problema era a volta, balançando no busão. Coitadas das cocotas. Mas elas também eram umas peidonas.
Um dia, a dona do boteco começou a notar que, ao invés de vender várias coxinhas, ou vários pães para cada caboclo, cada um se satisfazia com apenas um de cada. Ela notou que tava no prejuízo e proibiu o x-galinha-de-miserável, a miserável. Ou um ou outro, pão ou coxinha, ela falava. A combinação, milagrosa, tava proibida.
Deixávamos a prancha na casa de alguém e íamos de busão. Lotadaço. Nós, as cocotas e o resto da manezada. E ficávamos o di-a-to-do na praia, debaixo do sol. Voltávamos no final da tarde, roxos do sol e de fome. Filas intermináveis pro busão e aquele rala e rola com as cocotas. Ah, coisa boa. Coisa boa agora, mas naquele tempo era casca. Imagina, tu subindo o morro da Lagoa de latão, sendo ultrapassado por carros cheios de pranchas em cima. Mas também, não estávamos nem aí. Não éramos pobres depressivos, nem tínhamos pena de nós mesmos.
Íamos ao boteco lá da Barra prá almoçar e comíamos um “x-galinha-de-miserável” que consistia em pão doce (massinha pra alguns) com uma coxinha dentro. Um refrigerante em cima – uma laranjinha Max Wilhelm, podia ser – e o x-galinha-de-miserável se transformava numa bomba gasosa que nos sustentava o resto do dia. O problema era a volta, balançando no busão. Coitadas das cocotas. Mas elas também eram umas peidonas.
Um dia, a dona do boteco começou a notar que, ao invés de vender várias coxinhas, ou vários pães para cada caboclo, cada um se satisfazia com apenas um de cada. Ela notou que tava no prejuízo e proibiu o x-galinha-de-miserável, a miserável. Ou um ou outro, pão ou coxinha, ela falava. A combinação, milagrosa, tava proibida.
Mas algumas vezes não precisávamos pegar ônibus, porque o meu pai nos levava prá praia na Brasília dele. Meu pai gostava de praia. Botava a sunga por baixo da barriga e ficava lá esperando. Dava umas nadadas, andava prá lá e prá cá e nos espiava. Até no inverno ele ia. Tinha uma paciência enorme. Mas dizia não entender o surf porque nós caíamos mais do que surfávamos. Era tão pouco tempo em cima da prancha, falava, que não valia a pena o esforço. De certa forma, ele tinha até razão. Mas também, éramos pregos demais, nossas pranchas eram horríveis e, no inverno, caíamos no pêlo, como só as crianças conseguem.
Mesmo assim, enchíamos a Brasília de adesivos da Energia, da K&K, do Rico, etc. Mas o pai gostava mesmo era de futebol e sempre mantinha um adesivo do Vasco prá contrabalançar. Tínhamos que ir prá Barra porque, além da linha de ônibus, era a praia que tinha mais infra. Botecos, x-galinhas-de-miserável, etc. A Joaquina, que ainda era dos magnatas, não tinha ônibus, como hoje a Brava não os tem (magnata não gosta de ônibus, nem de quem os pega). Podíamos até puxar a corda e descer na Mole mas, lá, não tinha pão, coxinha, tampouco Laranjinha Max Wilhelm. O norte da Ilha não nos passava pela cabeça, a não ser para acampar na Ponta das Canas, nos Ingleses, sei lá. Podíamos, também, acampar na Armação, no Matadeiro, mas era na Barra que a gente estava em casa.
Para irmos à Joaquina acompanhar os campeonatos, saltávamos do latão no final da Lagoa e íamos andando até a Joaca. E nesse tempo o surf era o que menos interessava nos campeonatos. O negócio era a festa. Se bem que nunca víamos o show do final porque perderíamos o busão. E tem razão quem diz que, naquele tempo, surf não era esporte mas um espírito, um jeito de ser, sei lá. Só que, prá mim, existiam vários tipos de espíritos. O nosso, por exemplo, não era aquele “chavão” que sempre se ouve, do surf como uma atividade de nômades, de desbravadores insaciáveis, etc. Esse era o espírito dos surfistas ricos. O nosso espírito, coitado, assombrava, basicamente, a Barra.
Hoje, é claro que tá mais fácil surfar. Tenho que dar o braço a torcer e aceitar que aquela coisa que fazíamos porque nos inflava o ego, porque tínhamos que fazer para manter os amigos, nossa vida social adolescente, justificar nossos cabelos loiros, etc, se transformou em um esporte de verdade. Muitos surfistas hoje não vão à praia pegar ondas, vão treinar. E só vão quando e para onde há ondas. Alguns são pagos para isso, outros querem sê-lo. Quase todos têm uma alimentação e preparação física especial e não precisam mais comer x-galinha-de-miserável.
Os campeonatos, agora, têm palanques móveis – sempre prontos para estar onde as ondas também estão – e acontecem freqüentemente, o que é bom para o esporte, mas ruim para as festas porque não são mais inusitados. Atualmente, quase nada pode impedir a realização de um campeonato de surf, nem falta de luz.
Hoje, é relativamente fácil se comprar uma prancha no Brasil e ninguém vai prá praia com aquelas tocos horríveis com que íamos e que mantínhamos, o mesmo, por anos. Para consertá-los, comprávamos tecido, resina e catalisador e nos lambuzávamos daqueles produtos químicos altamente tóxicos. E dá-lhe encher bolhas nas pranchas com resina, injetando-a com uma seringa obtida no lixo da farmácia. Uma vez fiquei de cama por uma semana, todo inchado, pois tive uma reação alérgica após me sujar todo tentando preencher uma bolha gigantesca na prancha de um amigo.
Colávamos qualquer foto de surf nas paredes do quarto. Podiam ser fotos de qualquer tamanho e de qualquer revista e até de jornal, mas todas valiam muito prá nós. Revistas de surf valiam ouro. As coisas do surf, há tão pouco tempo atrás, vinte, vinte e poucos anos, eram mais difíceis e menos confortáveis, principalmente para quem não tinha muita grana. Mas, confesso, curti muito. E era imensamente legal estar na Barra, em uma tarde de sol de verão, depois de almoçar um saborosíssimo pão com coxinha, vestindo o meu calção Ligthning Bolt marron – filho único de mãe solteira –, com a minha prancha horrorosa debaixo do braço, a caminhar para o mar.
Naquele momento, tenho certeza, ninguém era mais feliz do que eu. Ninguém...
Texto do camarada Pierre Alfredo. Confira o blogue e outros, clica aqui.
Mesmo assim, enchíamos a Brasília de adesivos da Energia, da K&K, do Rico, etc. Mas o pai gostava mesmo era de futebol e sempre mantinha um adesivo do Vasco prá contrabalançar. Tínhamos que ir prá Barra porque, além da linha de ônibus, era a praia que tinha mais infra. Botecos, x-galinhas-de-miserável, etc. A Joaquina, que ainda era dos magnatas, não tinha ônibus, como hoje a Brava não os tem (magnata não gosta de ônibus, nem de quem os pega). Podíamos até puxar a corda e descer na Mole mas, lá, não tinha pão, coxinha, tampouco Laranjinha Max Wilhelm. O norte da Ilha não nos passava pela cabeça, a não ser para acampar na Ponta das Canas, nos Ingleses, sei lá. Podíamos, também, acampar na Armação, no Matadeiro, mas era na Barra que a gente estava em casa.
Para irmos à Joaquina acompanhar os campeonatos, saltávamos do latão no final da Lagoa e íamos andando até a Joaca. E nesse tempo o surf era o que menos interessava nos campeonatos. O negócio era a festa. Se bem que nunca víamos o show do final porque perderíamos o busão. E tem razão quem diz que, naquele tempo, surf não era esporte mas um espírito, um jeito de ser, sei lá. Só que, prá mim, existiam vários tipos de espíritos. O nosso, por exemplo, não era aquele “chavão” que sempre se ouve, do surf como uma atividade de nômades, de desbravadores insaciáveis, etc. Esse era o espírito dos surfistas ricos. O nosso espírito, coitado, assombrava, basicamente, a Barra.
Hoje, é claro que tá mais fácil surfar. Tenho que dar o braço a torcer e aceitar que aquela coisa que fazíamos porque nos inflava o ego, porque tínhamos que fazer para manter os amigos, nossa vida social adolescente, justificar nossos cabelos loiros, etc, se transformou em um esporte de verdade. Muitos surfistas hoje não vão à praia pegar ondas, vão treinar. E só vão quando e para onde há ondas. Alguns são pagos para isso, outros querem sê-lo. Quase todos têm uma alimentação e preparação física especial e não precisam mais comer x-galinha-de-miserável.
Os campeonatos, agora, têm palanques móveis – sempre prontos para estar onde as ondas também estão – e acontecem freqüentemente, o que é bom para o esporte, mas ruim para as festas porque não são mais inusitados. Atualmente, quase nada pode impedir a realização de um campeonato de surf, nem falta de luz.
Hoje, é relativamente fácil se comprar uma prancha no Brasil e ninguém vai prá praia com aquelas tocos horríveis com que íamos e que mantínhamos, o mesmo, por anos. Para consertá-los, comprávamos tecido, resina e catalisador e nos lambuzávamos daqueles produtos químicos altamente tóxicos. E dá-lhe encher bolhas nas pranchas com resina, injetando-a com uma seringa obtida no lixo da farmácia. Uma vez fiquei de cama por uma semana, todo inchado, pois tive uma reação alérgica após me sujar todo tentando preencher uma bolha gigantesca na prancha de um amigo.
Colávamos qualquer foto de surf nas paredes do quarto. Podiam ser fotos de qualquer tamanho e de qualquer revista e até de jornal, mas todas valiam muito prá nós. Revistas de surf valiam ouro. As coisas do surf, há tão pouco tempo atrás, vinte, vinte e poucos anos, eram mais difíceis e menos confortáveis, principalmente para quem não tinha muita grana. Mas, confesso, curti muito. E era imensamente legal estar na Barra, em uma tarde de sol de verão, depois de almoçar um saborosíssimo pão com coxinha, vestindo o meu calção Ligthning Bolt marron – filho único de mãe solteira –, com a minha prancha horrorosa debaixo do braço, a caminhar para o mar.
Naquele momento, tenho certeza, ninguém era mais feliz do que eu. Ninguém...
Texto do camarada Pierre Alfredo. Confira o blogue e outros, clica aqui.
2 comentários:
Legal Maurio!! Esse teu texto me trouxe várias lembranças do surf no passado..... certa vez meu pai levou eu e meus amigos para um campeonato de surf em Palmas... eu era patrocinado pelo Nenem da loja Costão... lá fomos nós.. eu com minha prancha Costão Bi-quilha ehehe
e meus amigos: torrado, patinho, macarrão(falecido), ficamos acampados lá... o campeonato foi cancelado por falta de onda, voltamos pedindo carona até a br101 e depois pegamos o ônibus até a rodoviária Rita Maria onde meu pai foi nos buscar para levar até o Estreito!!
Me empolguei né? escrevi demais ehehe
Abs,
Chico Costa
Porra, esse Alohapaziada ta demazzo, rapá! Fiquei poucos dias sem olhar e tem postagem nova a dar com pau por aqui! Li esse texto ate o final pensando que era teu, Maurio! Ta muito legal mesmo, so faltou a foto da Brasília! Falando em foto, informo aqui os créditos dessa da Barra (1976): Mário César Evangelista, vulgo Juca, na onda; foto tirada por Tarcísio Schaeffer. Sobre a Brava (que peguei CLÁSSICA hj - 03/05/08, 1,5m com series maiores, terral na maior parte do tempo), informo apenas que ja tem latão (verdão), e não só o amarelinho pra lá, como pode ser conferido no site da Canasvieiras Transportes, linha 266:
http://www.canasvieirastc.com.br/n266.htm
Parabéns pela emplacada lá no Ueives!
Abração,
Gustavo
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